Os programas de transferência de renda no Brasil têm gerado discussões ao longo do tempo acerca da efetividade para diminuir a pobreza entre brasileiros. Porém, um novo estudo da EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) atesta que este tipo de programa, especialmente aqueles com condicionalidades, tem uma forte capacidade para reduzir a pobreza, aumentar os índices de escolaridade e o poder aquisitivo da população, a longo prazo.
Pedro Cavalcanti Ferreira, pesquisador da EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e também da FGV Crescimento e Desenvolvimento, coordenou o estudo Universal Basic Income in Developing Countries: Pitfalls and Alternatives. Ele destaca que a principal diferença desta pesquisa, em relação a outras dentro da mesma temática, é amplitude de analisar inúmeros aspectos com efeitos a longo prazo. Segundo o professor, sob o jargão dos economistas, esta pesquisa utilizou de uma metodologia conhecida como equilíbrio geral.
“É muito comum nos depararmos com outras pesquisas que apontam como o Programa Bolsa Família (PBF), por exemplo, reduziu pobreza, risco de gravidez na adolescência, etc. Mas a nossa pesquisa se trata de uma análise dinâmica, que em vez de olhar para o passado, ela vislumbra o futuro, demonstrando quais seriam os impactos sociais e econômicos de investir em um programa como este, em comparação a outros tipos de programas assistenciais”, introduziu Ferreira, ao destacar em termos mais acadêmicos, que “foi investigado não só um canal e um efeito final, mas sim inúmeros canais e efeitos”.
A pesquisa, financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), reuniu dados do Censo Demográfico do Brasil de 2022 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foram utilizados dados sobre renda do Banco Mundial.
“Partimos de uma metodologia moderna de macroeconomia, a qual se baseia em resolver um modelo teórico bastante complexo e simulá-lo em um computador. Nesta metodologia é possível variar e mudar diferentes aspectos e parâmetros do modelo, no que chamamos de uma economia artificial, como se fosse um laboratório, sendo que para realidade dos cientistas econômicos, nosso laboratório é o nosso computador”, explicou Ferreira.
O professor complementa que, através do modelo criado, é possível simular diferentes situações. “Coletamos os dados do PBF, junto aos respectivos condicionantes para ser beneficiário deste Programa e acrescentamos essas informações ao nosso modelo de economia artificial. Nós calibramos este modelo com os devidos parâmetros, a fim de simular e fazer experimentos computacionais”, detalhou.
Entre esses experimentos, ocorreu uma simulação crucial para este estudo, que indagava a seguinte questão: e se o Programa Bolsa Família fosse substituído por um Programa de Renda Básica Universal (RBU)?
“Para isso, calibramos o nosso modelo sob uma representação do Brasil em 1997, com dados demográficos e econômicos daquela época, anterior a criação do PBF. Sob esses pretextos, nosso experimento idealizou o que aconteceria, nos 40 anos seguintes, se um Programa de Renda Básica Universal fosse implementado no Brasil, em vez do Bolsa Família”, disse Ferreira.
O estudo também analisou o que aconteceria se o próprio PBF fosse implementado na mesma época e sob as mesmas condições socioeconômicas idealizadas para aplicação do RBU. “Ambos os experimentos foram executados e comparados, partindo do princípio que o valor da renda universal e do pagamento mensal do Bolsa Família teriam o mesmo custo de R$ 150 mensalmente”, ressaltou o pesquisador.
Ferreira alega que, à primeira vista, os efeitos de ambos os programas podem parecer similares, pois a curto prazo os impactos de ambos são parecidos. Contudo, conforme o tempo vai passando, a médio e a longo prazo, fica evidente que os programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, possuem um custo menor para o governo, ao mesmo tempo em que contribuem de forma mais efetiva para reduzir a pobreza.
“Em termos de cobertura, o programa de Renda Básica Universal obviamente cobriria 100% da população, enquanto o de Transferência de Renda, apenas os 20% mais pobres. Entretanto, o custo do RBU é quase dez vezes maior, totalizando cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, contra 0,55% que é o custo de programas como o Bolsa Família”, afirmou o pesquisador.
Ferreira acrescenta que, na verdade, através da implementação do PBF é possível checar um aumento de longo-prazo do PIB em torno de 18%, enquanto no RBU há uma redução de 11%. Segundo ele, esse fenômeno ocorre devido ao ciclo virtuoso que engloba os programas de transferência de renda como o bolsa família e suas respectivas condicionalidades.
“Em programas nos quais se garante uma renda fixa para o cidadão sem condicionalidade, é criada uma situação de acomodação, na qual o indivíduo não é incentivado a poupar dinheiro por conta do benefício vitalício, e ao mesmo tempo não é concedido a ele os devidos meios para sair da linha da pobreza, como educação, que prevemos que irá cair ligeiramente com o programa de renda básica universal. Além disto, o aumento da taxação necessária para financiar o RBU tem um impacto negativo muito forte sobre investimento e poupança, o que também reduz o PIB”, explicou Ferreira.
De acordo com o pesquisador, é justamente no aspecto educacional que está um dos maiores benefícios do PBF. “Ao impor que os filhos estejam matriculados na escola como condição para ser beneficiário, este tipo de programa aumenta os índices de escolaridade básica e mesmo secundária. Através da maior escolaridade, esses indivíduos podem ter um melhor acesso a oportunidade de emprego, e consequentemente, um maior acesso a renda, auxiliando a própria família a quebrar o ciclo de pobreza”, contextualizou.
O estudo também aponta que a renda básica garantida diminui em 5% a escolaridade média brasileira, a longo prazo, e a pobreza diminui apenas um ponto percentual, em alguns cenários chegando até a aumentar, enquanto o PBF reduziria esses índices de pobreza de 20% da população para somente 5%. “Além disso, em programas como o Bolsa Família há um maior incentivo indireto para poupar dinheiro, o que aumenta os níveis de investimento do indivíduo e do país”, pontuou o pesquisador.
Ferreira reitera que esses resultados demonstram como programas de transferência de renda condicionais são muito mais eficazes, possuem mais impactos positivos, além de evidenciar que investir esforços em um programa de renda básica universal é uma má ideia.
“Neste tipo de programa, os indivíduos poupam menos e se educam menos, o que faz com que tenham menos ativos e renda. A curto prazo ele pode trazer algum benefício, mas a nossa análise demonstra como este resultado é somente temporário, chamando atenção para os efeitos na população a longo prazo”.
Para o pesquisador, os programas de transferência de renda condicionais já demonstraram ser uma ideia muito mais efetiva do que outros tipos de programa assistenciais, não somente no Brasil, mas no contexto internacional. “Diversos estudos internacionais, que analisam a renda básica universal, demonstram como além de ser caro, esse programa gera impactos socioeconômicos muito pequenos”, alertou Ferreira, ao declarar que existe uma maneira mais barata e viável de combater a pobreza.
“É importante ter em mente que as condicionalidades do PBF são justamente as maiores responsáveis pela sua eficácia em reduzir a pobreza. Fizemos experimentos também simulando a implementação do Bolsa Família, porém, sem algumas de suas principais condicionalidades, como renda e escolaridade”, comentou o pesquisador.
Em um desses experimentos foi encontrado que se o PBF não contasse com a condicionalidade de limite de renda, a cobertura aumentaria para 40% da população, mas a pobreza cairia menos, atingindo 11% da população, enquanto a carga fiscal seria quase 3 vezes maior em comparação ao Bolsa Família, totalizando 1,3% do PIB. O pesquisador alega que este efeito sobre a carga fiscal é justamente o que diminui o impacto sobre a pobreza.
“Além disso, caso houvesse somente a condicionalidade da renda, e não houvesse a escolar, os índices de pobreza poderiam aumentar em 0,5%, e o PIB diminuir em 11%”, disse Ferreira.
Através deste cenário de economia artificial, conforme Ferreira aponta, é possível identificar que um programa sem as devidas condicionalidades, mesmo sendo voltado para transferência de renda, é muito caro e ruim para atingir os objetivos de diminuir a pobreza.
“Se um país destina 5% do seu PIB para investir em uma política pública, é necessário buscar garantir que ela seja o mais eficaz possível. Temos uma validação a longo prazo, analisando inúmeros aspectos, que demonstra como o PBF é capaz de reduzir a pobreza em mais de 75% a longo prazo, tendo um custo relativamente mais baixo em comparação a outros programas. Estamos evidenciando onde continuar a se investir, de qual forma, e o que não deveria nem ser levado em consideração”, concluiu o professor.
Ele finaliza reiterando que o caminho a ser trilhado pelo Governo, atualmente, deveria ser “continuar com políticas públicas semelhantes ao PBF e buscar construir essas políticas da maneira mais eficaz, que segundo esta pesquisa, é fortalecendo as condicionalidades como o critério escolar”.